sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A criança superdotada em nosso meio: Aceitando suas diferenças e estimulando seu potencial - Angela M. R.Virgolim

Há pouco tempo, um simpático garotinho de três anos, morador de uma cidade satélite do Distrito Federal, tornou-se notícia de jornal por ostentar uma habilidade precoce para uma criança de sua idade.
Ainda trocando o “r” pelo “l”, Igor surpreende a todos com sua vivacidade, sociabilidade e pela velocidade com que lê frases inteiras, inclusive palavras difíceis como “Antártica, Skol, Bavária, Kaiser e Schincariol, que, segundo o autor da matéria”, quebra a língua até de alfabetizado “. Com um ano e meio, Igor já lia anúncios na rua e se exibia para pequenas platéias. Os pais, de origem humilde e pouca instrução formal, explicam que não ensinaram a criança a ler, embora tenham dado a ela oportunidade de manipular livros, oferecidos como distração enquanto ambos estudavam. Embora orgulhosos do filho, os pais revelam uma preocupação típica de quem tem em casa uma criança precoce: não querem que o filho se sinta diferente ou excluído pelos colegas”.

Terminologias diferentes

Acontece que Igor está longe de ser um caso único, ou mesmo raro. A habilidade superior, a superdotação, a precocidade, o prodígio e a genialidade são gradações de um mesmo fenômeno, que vem sendo estudado há séculos em diversos países, como China, Alemanha e Estados Unidos. Como ressaltam
Alencar e Fleith no artigo “Lim: características e desenvolvimento de uma criança com uma inteligência matemática excepcional”, chamamos de precoce a criança que apresenta alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento, seja na música, na matemática, na linguagem ou na leitura. Sem dúvida, Igor é uma criança precoce, mas ainda não podemos rotulá-la como superdotada, prodígio ou gênio. Vejamos a diferença.
Utilizamos o termo “criança prodígio” para sugerir algo extremo, raro e único, fora do curso normal da natureza. Um bom exemplo de uma criança prodígio, com uma habilidade excepcional seria Wolfgang Amadeus Mozart, que começou a tocar piano aos três anos de idade. Aos quatro anos, sem orientação formal, já aprendia peças com rapidez, e aos sete já compunha regularmente e se apresentava nos principais salões da Europa. Além disso, ao ouvir apenas uma vez o Miserere de Gregório Allegri, foi capaz de transcrever a peça inteira de memória, quase sem cometer erros3.
Mozart, assim como Einstein, Gandhi, Freud e Picasso, são ainda exemplos de gênios, termo este reservado para aqueles que deram contribuições extraordinárias à humanidade. São aqueles raros indivíduos que, até entre os extraordinários, se destacam e deixam sua marca na história.

Mas o que é a superdotação?

As habilidades apresentadas por todas as crianças aqui citadas, sejam elas precoces, prodígios ou gênios, podem ser enquadradas em um termo mais amplo, que é a superdotação. A definição brasileira, apresentada na Política Nacional de Educação Especial de 1994, define como portadores de altas habilidades/ superdotados os educandos que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:
a) capacidade intelectual geral (que envolve rapidez de pensamento, compreensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato);
b) aptidão acadêmica específica (atenção, concentração, rapidez de aprendizagem, boa memória, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção acadêmica);
c) pensamento criativo ou produtivo (originalidade de pensamento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora);
d) capacidade de liderança (sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no grupo);
e) talento especial para artes (alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas, literárias ou cênicas).
f) capacidade psicomotora (desempenho superior em velocidade, agilidade de movimentos, força, resistência, controle e coordenação motora).
Em geral, as crianças superdotadas não apresentam estas características simultaneamente, nem mesmo com graus de habilidades semelhantes. Um dos aspectos mais marcantes da superdotação relaciona-se ao seu traço de heterogeneidade. Assim, algumas pessoas podem se destacar em uma área, ou podem combinar várias – como, por exemplo, o humorista Jô Soares, que além de exibir um pensamento criador, original e bem-humorado, também se revela na área musical, tocando múltiplos instrumentos; no campo da linguagem, falando vários idiomas e escrevendo livros e crônicas; e ainda no setor da liderança, por seu carisma e capacidade de coordenar grupos. A essa confluência de habilidades chamamos de
multipotencialidades, que representa mais uma exceção do que uma regra entre os indivíduos superdotados. O que se observa com maior freqüência são crianças que desenvolvem mais em uma área específica - como poesia, ciências, artes, música, dança, ou mesmo nos esportes, do que em outras.

Joseph Renzulli, renomado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, considera que os comportamentos de superdotação resultam de três conjuntos de traços, descritos a seguir:

a) a habilidade acima da média em alguma área do conhecimento (não necessariamente muito superior à média),
b) envolvimento com a tarefa (implica em motivação, vontade de realizar alguma coisa, perseverança e concentração).
c) criatividade (pensar em algo diferente, ver novos significados e implicações, retirar idéias de um contexto e usá-las em outro). Nem sempre a criança apresenta este conjunto de traços desenvolvidos igualmente, mas, se lhe forem dadas oportunidades, poderá desenvolver amplamente todo o seu potencial.
Quantos são os superdotados?
Quando consideramos o grupo de superdotados/ portadores de altas habilidades apenas do ponto de vista psicométrico, ou seja, a partir da utilização de testes de inteligência (o teste WISC de inteligência, por exemplo, situa o QI médio em 100 pontos), estamos indicando apenas aqueles talentos que se destacam por suas habilidades intelectuais ou acadêmicas – o equivalente aos dois primeiros grupos da definição brasileira. Nesta perspectiva, estima-se que 3% dos indivíduos de uma dada população sejam superdotados. Porém, quando incluímos outros aspectos à avaliação de superdotados, como por exemplo: liderança, criatividade, competências psicomotoras e artísticas, as estatísticas sobre altas habilidades aumentam significativamente, chegando a abarcar uma porcentagem de 15 a 30% da população. De qualquer ponto em que se olhe, no entanto, podemos perceber como este grupo tem sido mal identificado e trabalhado em nosso país. O Distrito Federal, por exemplo, que tem um programa há mais de 20 anos para o atendimento da superdotação, atende hoje 343 crianças no Plano Piloto e em seis cidades satélites – um número ínfimo, considerando o número de crianças regularmente matriculadas nas escolas públicas e particulares. Isto apenas demonstra o quanto este assunto ainda é polêmico na nossa sociedade, ressaltando o desconhecimento do tema por parte da comunidade, da escola e da família. São necessárias técnicas mais apuradas de identificação, instrumentos mais amplos e precisos de diagnóstico, e bons programas de desenvolvimento e estimulação do potencial destas crianças para que possamos estabelecer políticas de aproveitamento de talentos e competências em nosso país.

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