sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O conceito de superdotação

O conceito de superdotação tem sido ampliado e passou a denominar habilidades de diversos domínios. No Brasil, nas diretrizes básicas estabelecidas pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e Desporto, é adotada a seguinte definição:
São consideradas crianças portadoras de alta habilidade as que apresentam notável desempenho em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual; aptidão acadêmica ou específica; pensamento criador ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes visuais, artes dramáticas e música; capacidade psicomotora.
Esta definição engloba uma grande variedade de áreas nas quais o talento ou superdotação pode se desenvolver.
Por exemplo, o talento especial para artes envolve alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas, cênicas e literárias. A capacidade psicomotora, por sua vez, refere-se ao desempenho superior em atividades físicas e esportes. Entretanto, as características que contribuem para um desempenho superior em uma área não são iguais àquelas que contribuem para um desempenho notável em outra.
Destaca-se também a contribuição de Renzulli ao estudo da superdotação. Este pesquisador menciona que deve haver uma mudança no enfoque das definições de superdotação de ser ou não superdotado para desenvolver comportamentos superdotados, e também afirma que tais comportamentos “estão presentes em algumas pessoas, em determinados momentos e sob determinadas circunstâncias”. Este autor elaborou o
Modelo dos Três Anéis, no qual a realização superior de algum indivíduo em uma área de conhecimento ocorre em decorrência de um conjunto de três dimensões em interação: habilidade acima da média (não necessariamente superior), criatividade e envolvimento com a tarefa. A habilidade acima da média pode ser definida em termos de habilidade geral e habilidades específicas. O autor afirma que a “habilidade geral consiste na capacidade de processar informação, integrar experiências que resultam em respostas apropriadas e adaptativas a novas situações, e na capacidade de se engajar em pensamento abstrato”. A habilidade específica, por sua vez, “consiste na capacidade de adquirir conhecimento, habilidades, ou à habilidade de desempenho em uma ou umas atividades de um tipo especializado e dentro de uma variação restrita”. O envolvimento com a tarefa se refere à energia investida pelo indivíduo em uma tarefa específica ou em uma determinada área. Por fim, a criatividade consiste em: características do pensamento, como fluência, flexibilidade e originalidade, abertura a novas experiências e receptividade ao que constitui novidade no âmbito de pensamentos, ações, produtos próprios e de outras pessoas; sensibilidade, curiosidade e ousadia; e características da produção dos indivíduos superdotados, como inovação, riqueza de detalhes e abundância.
Na proposta mencionada, as três dimensões (habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade) devem ser consideradas como fruto da interação entre fatores ambientais e de personalidade. Ademais, nesta perspectiva, a superdotação não é um fenômeno visto como estático e fixo. Ao contrário, ela pode ser desenvolvida em certas pessoas, em determinados momentos e sob certas circunstâncias.
O fenômeno da superdotação apresenta uma grande complexidade, englobando sistemas biológicos, psicológicos, intelectuais, emocionais, sociais, históricos e culturais. Nesta direção, Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen também ressaltam a diversidade de fatores que podem influenciar o desenvolvimento de comportamentos de superdotação.
Estes pesquisadores sugerem que o desempenho superior apresentado por muitos jovens não se desenvolve da forma esperada até a idade adulta. Por outro lado, ressaltam ainda que alguns adultos proeminentes em suas respectivas áreas de interesse não apresentavam um desempenho expressivo quando mais jovens. Isto nos leva a concluir que múltiplos aspectos interferem no processo de desenvolvimento do potencial superior. Neste sentido, Winner destaca o papel do ambiente ao afirmar que “a superdotação não pode ser inteiramente um produto do nascimento: apoio familiar, educação e trabalho árduo podem determinar se um potencial se desenvolve ou não”
Conforme mencionado, o ambiente familiar pode contribuir para o processo de desenvolvimento do talento.
Segundo Dessen, a família constitui um contexto primário de desenvolvimento, mediando o processo de interação dos indivíduos com o contexto ambiental. Ela é responsável pela maior parte do processo de socialização. Os autores definem socialização como um processo contínuo, que acontece ao longo do curso de vida de um indivíduo, no qual este desenvolve sua identidade, autoconceito, comportamentos, atitudes e disposições. As interações sociais são essenciais para que este processo ocorra.
Apesar de aspectos relacionados à família influenciarem o desenvolvimento de comportamentos de superdotação ou talento, Chagas cita estudos cujos autores afirmam que ainda não há consenso suficiente para delimitar a extensão e magnitude do impacto destes aspectos sobre tal processo. Desta forma, destaca-se a importância da realização de outros estudos relacionados a esta temática, possibilitando uma compreensão mais precisa sobre o papel desempenhado pela família.

A Influência da Família Sobre o Desenvolvimento da Superdotação

Dessen e Braz afirmam que o desenvolvimento humano é um fenômeno complexo, compreendendo um processo de transformação que ocorre ao longo do tempo e sendo multideterminado por fatores próprios dos indivíduos e por aspectos mais amplos do contexto social no qual eles estão inseridos. Entre os fatores que podem influenciar diretamente o desenvolvimento do indivíduo, ressalta-se o ambiente familiar.
A família é um tópico bastante investigado pela ciência do desenvolvimento humano. Dessen e Braz afirmam que estudá-la é uma árdua tarefa devido à grande complexidade envolvida e à diversidade de conceitos sobre família. Minuchin caracteriza a família como um sistema complexo, constituído por subsistemas interdependentes e integrados, que estabelecem uma relação de influência recíproca com o contexto sócio-histórico-cultural que os envolve.
Diversos estudos apontam a importância da família para a manifestação, desenvolvimento e reconhecimento da superdotação de um indivíduo. Por exemplo, Alencar , Bloom e Moraes, Rabelo e Salmela relatam pesquisas que mostram a influência da família e de professores no desenvolvimento de habilidades na ciência, música e esporte. Hellstedt enfatiza esta influência ao afirmar que a família constitui o ambiente social primário em que o jovem pode desenvolver a sua identidade, auto-estima e motivação para o sucesso.
A literatura também destaca a existência de uma relação de influência mútua entre a criança superdotada e sua família.
A família pode influenciar de diversas formas o desenvolvimento do talento. Entretanto, a criança superdotada também afeta a organização familiar. A família busca promover o desenvolvimento das habilidades dos filhos e, paralelamente, modifica-se em virtude das demandas deles. Nesta perspectiva, Silverman afirma que “a superdotação é uma qualidade da família, mais do que uma qualidade que diferencia a criança do resto de sua família”.
O desenvolvimento da superdotação ou talento, em uma área qualquer, é um processo que ocorre ao longo de diferentes estágios. Cada período possui suas características particulares, impondo novos desafios ao indivíduo talentoso e às pessoas que se relacionam com ele. Estes estudos mostram que, de uma forma geral, o talento se desenvolve em três estágios de aprendizagem. O estágio inicial se refere, sobretudo, à experimentação da atividade pelo jovem. Neste estágio, o fundamental é que o jovem tenha satisfação pela atividade realizada.
Posteriormente, durante o estágio intermediário, o comprometimento com a atividade se eleva. Nesta fase, o jovem dedica mais tempo à sua respectiva atividade. Por fim, no estágio final deaprendizagem, busca-se uma excelência crescente naquela determinada atividade. Cada estágio é caracterizado por um envolvimento diferenciado dos pais/família. Surgem novas oportunidades e necessidades, exigindo que os indivíduos envolvidos se adaptem a elas.
Por exemplo, de acordo com Wolfenden e Holt (2005), a proposta de Côté, relacionada ao contexto esportivo, considera que o envolvimento dos pais se modifica ao longo dos estágios de desenvolvimento. Nos anos de experimentação, que constituem os anos iniciais de aprendizagem, os pais desempenham um papel de liderança, tendo a responsabilidade de fazer com que o filho se interesse pela prática esportiva. Durante os anos de especialização, correspondentes ao estágio intermediário de aprendizagem, os pais exercem um papel de facilitadores da participação esportiva do jovem. E ao longo dos anos de investimento, caracterizados por um maior comprometimento e busca pela excelência, os pais fornecem o suporte necessário aos jovens, principalmente em termos emocionais.
Destaca-se ainda que os estágios de desenvolvimento do talento se modificam em decorrência dos diferentes estágios de desenvolvimento humano. Estudos relativos ao contexto esportivo afirmam que as famílias possuem uma influência predominante no desenvolvimento do talento durante a infância e o início da adolescência. Porém, nos estágios posteriores, os técnicos passam a exercer uma influência maior. Ou seja, as influências da família e do técnico sofrem modificações ao longo dos estágios de desenvolvimento do talento dos jovens. Na área musical, também destacam que o maior efeito decorrente do envolvimento dos pais com a prática do filho acontece quando este se encontra num estágio inicial de aprendizagem. Uma possível explicação para isso é que, com o crescimento dos filhos, as orientações dos pais passam a ser mais voltadas à independência e auto-suficiência dos jovens. Isto, por sua vez, pode resultar num maior afastamento dos pais/família em relação às atividades realizadas pelos filhos.

Características Associadas a Famílias de Indivíduos Superdotados

Diversos estudos têm sido conduzidos com o objetivo de investigar as características de ambientes familiares de pessoas que apresentam desempenho superior, em alguma área. Csikszentmihalyi e cols por exemplo, realizaram um estudo longitudinal com jovens talentosos de áreas diversas. Os autores identificaram que a integração, a harmonia da pessoa com a atividade e a diferenciação por meio de desafios constantes são aspectos necessários para o desenvolvimento do talento.
É fundamental a relação do jovem com seus professores e sua família, que proporcionarão as condições adequadas para que este desenvolvimento ocorra. Esta pesquisa também indicou que parentes de indivíduos comprometidos com suas respectivas áreas tendem a compartilhar valores relacionados à importância da realização, do esforço e da persistência. Os autores utilizaram o conceito de famílias complexas para descrever as famílias que mais incentivam o desenvolvimento do talento de seus jovens. As famílias complexas demonstram integração e diferenciação. A integração expressa o estado de estabilidade entre os membros da família, por meio do qual as crianças sentem-se seguras. A diferenciação representa a idéia de que aqueles integrantes da família são incentivados a desenvolver suas respectivas individualidades por meio de novos desafios e oportunidades.
Na área musical, Davidson e cols realizaram um estudo com crianças que estavam aprendendo a tocar instrumentos musicais e seus respectivos pais. O estudo indicou que os pais exercem um papel central em relação ao início e ao prosseguimento dos filhos no treinamento musical durante o extenso período necessário ao desenvolvimento de um desempenho notável. Além disso, foi sugerido que as crenças dos pais em relação aos talentos de seus filhos influenciam o comportamento deles, sendo determinantes para um maior incentivo ao empenho dos jovens.
Na área acadêmica, realizaram um estudo comparando famílias de crianças superdotadas e famílias de crianças não superdotadas. Os resultados mostraram que as famílias de crianças superdotadas possuem:
* mais recursos financeiros e maior educação formal;
* mais flexibilidade entre os integrantes da família;
* maior participação dos pais na vida acadêmica de seus filhos, segundo a percepção dos professores;
* menor vivência de situações de estresse na rotina familiar;
* maior comunicação dos pais acerca das altas expectativas em relação ao desempenho dos filhos.

Relacionado aos indivíduos que apresentam comportamentos de superdotação, estudos apontam a tendência de tais pessoas serem, em sua maioria, filhos únicos ou primogênitos. Os filhos primogênitos, com o nascimento de algum irmão, podem se sentir estimulados a buscar um desempenho expressivo, com a finalidade de recuperar sua posição de centralidade. Outra explicação é que os filhos primogênitos são os únicos que desfrutam, por um determinado período, da atenção exclusiva de seus pais ou outros adultos significativos. Ou seja, estes jovens, antes de seus irmãos nascerem, recebem uma maior estimulação proporcionada por seus pais, o que resulta em uma vantagem cognitiva. Posteriormente, esta estimulação é dividida entre os irmãos.

A criança superdotada em nosso meio: Aceitando suas diferenças e estimulando seu potencial - Angela M. R.Virgolim

Há pouco tempo, um simpático garotinho de três anos, morador de uma cidade satélite do Distrito Federal, tornou-se notícia de jornal por ostentar uma habilidade precoce para uma criança de sua idade.
Ainda trocando o “r” pelo “l”, Igor surpreende a todos com sua vivacidade, sociabilidade e pela velocidade com que lê frases inteiras, inclusive palavras difíceis como “Antártica, Skol, Bavária, Kaiser e Schincariol, que, segundo o autor da matéria”, quebra a língua até de alfabetizado “. Com um ano e meio, Igor já lia anúncios na rua e se exibia para pequenas platéias. Os pais, de origem humilde e pouca instrução formal, explicam que não ensinaram a criança a ler, embora tenham dado a ela oportunidade de manipular livros, oferecidos como distração enquanto ambos estudavam. Embora orgulhosos do filho, os pais revelam uma preocupação típica de quem tem em casa uma criança precoce: não querem que o filho se sinta diferente ou excluído pelos colegas”.

Terminologias diferentes

Acontece que Igor está longe de ser um caso único, ou mesmo raro. A habilidade superior, a superdotação, a precocidade, o prodígio e a genialidade são gradações de um mesmo fenômeno, que vem sendo estudado há séculos em diversos países, como China, Alemanha e Estados Unidos. Como ressaltam
Alencar e Fleith no artigo “Lim: características e desenvolvimento de uma criança com uma inteligência matemática excepcional”, chamamos de precoce a criança que apresenta alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida em qualquer área do conhecimento, seja na música, na matemática, na linguagem ou na leitura. Sem dúvida, Igor é uma criança precoce, mas ainda não podemos rotulá-la como superdotada, prodígio ou gênio. Vejamos a diferença.
Utilizamos o termo “criança prodígio” para sugerir algo extremo, raro e único, fora do curso normal da natureza. Um bom exemplo de uma criança prodígio, com uma habilidade excepcional seria Wolfgang Amadeus Mozart, que começou a tocar piano aos três anos de idade. Aos quatro anos, sem orientação formal, já aprendia peças com rapidez, e aos sete já compunha regularmente e se apresentava nos principais salões da Europa. Além disso, ao ouvir apenas uma vez o Miserere de Gregório Allegri, foi capaz de transcrever a peça inteira de memória, quase sem cometer erros3.
Mozart, assim como Einstein, Gandhi, Freud e Picasso, são ainda exemplos de gênios, termo este reservado para aqueles que deram contribuições extraordinárias à humanidade. São aqueles raros indivíduos que, até entre os extraordinários, se destacam e deixam sua marca na história.

Mas o que é a superdotação?

As habilidades apresentadas por todas as crianças aqui citadas, sejam elas precoces, prodígios ou gênios, podem ser enquadradas em um termo mais amplo, que é a superdotação. A definição brasileira, apresentada na Política Nacional de Educação Especial de 1994, define como portadores de altas habilidades/ superdotados os educandos que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:
a) capacidade intelectual geral (que envolve rapidez de pensamento, compreensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato);
b) aptidão acadêmica específica (atenção, concentração, rapidez de aprendizagem, boa memória, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção acadêmica);
c) pensamento criativo ou produtivo (originalidade de pensamento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora);
d) capacidade de liderança (sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no grupo);
e) talento especial para artes (alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas, literárias ou cênicas).
f) capacidade psicomotora (desempenho superior em velocidade, agilidade de movimentos, força, resistência, controle e coordenação motora).
Em geral, as crianças superdotadas não apresentam estas características simultaneamente, nem mesmo com graus de habilidades semelhantes. Um dos aspectos mais marcantes da superdotação relaciona-se ao seu traço de heterogeneidade. Assim, algumas pessoas podem se destacar em uma área, ou podem combinar várias – como, por exemplo, o humorista Jô Soares, que além de exibir um pensamento criador, original e bem-humorado, também se revela na área musical, tocando múltiplos instrumentos; no campo da linguagem, falando vários idiomas e escrevendo livros e crônicas; e ainda no setor da liderança, por seu carisma e capacidade de coordenar grupos. A essa confluência de habilidades chamamos de
multipotencialidades, que representa mais uma exceção do que uma regra entre os indivíduos superdotados. O que se observa com maior freqüência são crianças que desenvolvem mais em uma área específica - como poesia, ciências, artes, música, dança, ou mesmo nos esportes, do que em outras.

Joseph Renzulli, renomado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, considera que os comportamentos de superdotação resultam de três conjuntos de traços, descritos a seguir:

a) a habilidade acima da média em alguma área do conhecimento (não necessariamente muito superior à média),
b) envolvimento com a tarefa (implica em motivação, vontade de realizar alguma coisa, perseverança e concentração).
c) criatividade (pensar em algo diferente, ver novos significados e implicações, retirar idéias de um contexto e usá-las em outro). Nem sempre a criança apresenta este conjunto de traços desenvolvidos igualmente, mas, se lhe forem dadas oportunidades, poderá desenvolver amplamente todo o seu potencial.
Quantos são os superdotados?
Quando consideramos o grupo de superdotados/ portadores de altas habilidades apenas do ponto de vista psicométrico, ou seja, a partir da utilização de testes de inteligência (o teste WISC de inteligência, por exemplo, situa o QI médio em 100 pontos), estamos indicando apenas aqueles talentos que se destacam por suas habilidades intelectuais ou acadêmicas – o equivalente aos dois primeiros grupos da definição brasileira. Nesta perspectiva, estima-se que 3% dos indivíduos de uma dada população sejam superdotados. Porém, quando incluímos outros aspectos à avaliação de superdotados, como por exemplo: liderança, criatividade, competências psicomotoras e artísticas, as estatísticas sobre altas habilidades aumentam significativamente, chegando a abarcar uma porcentagem de 15 a 30% da população. De qualquer ponto em que se olhe, no entanto, podemos perceber como este grupo tem sido mal identificado e trabalhado em nosso país. O Distrito Federal, por exemplo, que tem um programa há mais de 20 anos para o atendimento da superdotação, atende hoje 343 crianças no Plano Piloto e em seis cidades satélites – um número ínfimo, considerando o número de crianças regularmente matriculadas nas escolas públicas e particulares. Isto apenas demonstra o quanto este assunto ainda é polêmico na nossa sociedade, ressaltando o desconhecimento do tema por parte da comunidade, da escola e da família. São necessárias técnicas mais apuradas de identificação, instrumentos mais amplos e precisos de diagnóstico, e bons programas de desenvolvimento e estimulação do potencial destas crianças para que possamos estabelecer políticas de aproveitamento de talentos e competências em nosso país.

Como reconhecer se o seu filho é um superdotado.

Ellen Winner considera que crianças com alto QI (academicamente superdotadas) podem apresentar, nos primeiros cinco anos de vida, algumas características que podem vir a ser percebidas por pais atentos ao seu desenvolvimento. Entre os primeiros sinais, ela destaca:
Maior tempo de atenção e vigilância, reconhecendo seus cuidadores desde cedo;
Preferência por novos arranjos visuais;
Desenvolvimento físico precoce: sentar, engatinhar e caminhar antes do normal;
Linguagem adquirida mais cedo, rapidamente progredindo para sentenças complexas; apresentando grande vocabulário e estoque de conhecimento verbal;
Super-reatividade: apresentam reações muito intensas a ruídos, dor e frustração;
Aprendizagem rápida, com instrução mínima (pouca ajuda ou estímulo de adultos);
Curiosidade intelectual, com elaboração de perguntas profundas e persistência até alcançar a informação desejada;
Alta persistência e concentração, quando estão interessadas em algo;
Alto nível de energia, que pode levar à hiperatividade, quando são insuficientemente estimuladas (às vezes necessitam de menos horas de sono do que o normal para a idade);
Interesses quase obsessivos em áreas específicas, a ponto de se tornarem especialistas nestes domínios.
Com relação às habilidades relacionadas à escola e aos fatores sócio-emocionais, a autora destaca:
Apresentam leitura precoce (por volta dos quatro anos ou antes), com instrução mínima;
Fascínio por números e relações numéricas;
Memória prodigiosa para informação verbal e/ou matemática;
Destaque em raciocínio lógico e abstrato;
Dificuldades com ortografia, uma vez que pensam mais rápido do que conseguem escrever.
Freqüentemente brincam sozinhas e apreciam a solidão (por não terem outras crianças de sua idade com o mesmo interesse, ou por se sentirem diferentes);
Preferência por amigos mais velhos, próximos a ela em idade mental;
Interesse por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais – podem tornar-se sobrecarregadas por estas preocupações precoces e desenvolverem posturas morais incomuns – como tornar-se vegetariana por escolha própria.
Em decorrência de suas altas habilidades verbais, apresentam alto senso de humor.
É importante notar que estas crianças não recebem treinamento intensivo de seus pais; muitas vezes os pais não são superdotados como elas e nem têm condições de acompanhar o desenvolvimento acelerado que se segue. Estas crianças manipulam o ambiente em que vivem para dele extrair o que necessitam, seja instrução extra, seja novos desafios ou simplesmente respostas à sua infindável curiosidade. Pais atentos a estes sinais devem encaminhar seus filhos ao psicólogo educacional, que fará uma avaliação mais ampla e cuidadosa de outras características que também possam evidenciar a existência de comportamentos de superdotação. Testes de QI, viáveis a partir de 5 anos de idade, permitem uma indicação de habilidades acadêmicas, mas pouco nos dizem a respeito da superdotação nas áreas de criatividade, liderança, habilidades psicomotoras ou artísticas, que demandam testes apropriados e uma visão multidimensional da superdotação6. Os pais devem sempre estimular a criança, desenvolver sua imaginação, instigar sua curiosidade para que possam desenvolver suas potencialidades ao máximo, oferecendo, acima de tudo, compreensão e amor incondicionais, apoiando-a naquilo que a torna única, diferente e, por tudo isso, especial.

A EDUCAÇÃO DOS SUPERDOTADOS


Considerações Pedagógicas
Princípios Fundamentais
Maker (1982) salienta cinco aspectos pedagógicos fundamentais para a educação do superdotado; aspectos estes que, sem dúvida, favorecem a motivação, o interesse e a aprendizagem livres de tensão.

Princípios Pedagógicos Para a Educação de Superdotados Segundo Maker:

* A aprendizagem deve estar centrada no aluno e não no professor.
* Deve ser encorajada a independência, e não a dependência.
* Deve ser encorajada uma atmosfera de "abertura mental" em sala de aula.
* Deve ser enfatizada a aceitação de idéias e não o seu julgamento.
* Deve ser permitida e encorajada a alta mobilidade do aluno dentro da sala.

De um modo geral, trata-se de princípios que deveriam ser aplicados em toda e qualquer sala de aula, esteja ela repleta de superdotados, de pessoas normais ou até mesmo de retardados mentais. O que Maker ressalta é o fato de que a ausência desses preceitos é muito mais prejucial ao superdotado do que aos demais.
Por serem indivíduos diferenciados do restante das pessoas, os superdotados requerem um tipo de educação especial que seja adequado às suas necessidades específicas. A menos que tais necessidades sejam atendidas no lar, na escola e na comunidade, é provável que estes estudantes falhem na realização de seu potencial pleno.
Diretrizes Para Programas Especializados
A dupla Arn e Frierson sugere que os objetivos de um programa de atendimento a superdotados não podem ser associados apenas ao desenvolvimento intelectual, mas também devem favorecer o crescimento pessoal e a interação social.

Metas de Um Programa de Atendimento a Superdotados Segundo Arn e Frierson (1971)


* Melhores condições para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas.
* Desenvolver bons hábitos de trabalho e estudo.
* Incrementar um clima de aprendizagem que resulte em maior produtividade.
* Incrementar a motivação.
* Favorecer o ajustamento pessoal e emocional.
* Promover o desenvolvimento social.
* Oferecer melhor atendimento ao rítmo individual de crescimento e aprendizagem.
* Possibilitar a expansão de interesses.
* Desenvolver valores estéticos.
Feldhusen concorda e acrescenta que as necessidades especiais dos superdotados se enquadram em três categorias gerais: cognitivas, afetivo-sociais e generativas.
Tannebaum também recomenda uma série de medidas interessantes a serem adotadas por qualquer programa de atendimento a superdotados.

Aceleração
A aceleração consiste essencialmente em se cumprir o programa escolar em menos tempo. De um modo geral, o objetivo é evitar que o superdotado fique na escola mais tempo do que o necessário, o que pode ocorrer de três formas diferentes:
* A admissão precoce de alunos nos colégios, ou seja, a admissão de alunos com idades inferiores à idade normal;
* Uma vez constatada uma habilidade privilegiada e/ou um conhecimento superior, fazer com que o aluno superdotado "salte" determinada série escolar tida como desnecessária para ele;
* Fazer com que o aluno excepcionalmente capaz aprenda no seu próprio rítmo veloz, levando-o, por meio de recursos especiais, a completar, em um único ano, duas ou mais séries escolares.
Muitos autores advogam a favor da utilização do método da aceleração para o atendimento do superdotado. Clark, por exemplo, reune os principais argumentos positivos, assinalando nove vantagens neste tipo estratégia.

Vantagens da Aceleração Segundo Clark


1) É um método que pode ser usado em praticamente qualquer escola.

2) Os alunos intelectualmente superiores tendem a escolher companheiros mais velhos, e a aceleração vai favorecer este contato.

3) A aceleração permite aos estudantes mais capazes darem início a sua vida profissional mais cedo, o que resulta em maior produtividade.

4) Pelo fato do aluno permanecer menos tempo na escola, os custos diminuem.

5) Observa-se menos tédio e insatisfação entre os estudantes a quem se permite acelerar nos estudos, os quais percebem o novo programa como sendo mais estimulante e menos enfadonho.

6) O ajustamento emocional e social tem se mostrado superior nos estudantes que participam de programas de aceleração.

7) A aceleração permite que se exija do aluno uma produtividade mais de acordo com suas capacidades.
8) Se um estudante inusitadamente brilhante permanece com os seus colegas da mesma idade, ele possívelmente achará as tarefas propostas pelo professor muito fáceis e desenvolverá hábitos de estudo inadequados.

9) A oportunidade de interagir e participar de atividades acadêmicas tende a favorecer uma atitude mais responsável por parte do aluno e o estabelecimento de novos propósitos e objetivos.

Entretanto, apesar de todos os argumentos a favor desse processo, existem autores que criticam o método da aceleração. French argumenta que é importante para o desenvolvimento pessoal do aluno que ele seja mantido junto com colegas de mesma idade e nível social e emocional. Segundo ele, a criança que "salta" uma determinada série escolar completamente deixa de aprender toda uma gama de conhecimentos acadêmicos e sociais importantes e necessários, o que deixa "furos" em sua formação. Ainda de acordo com French, há a questão de que difícilmente a aceleração se dá de uma forma adequada em todas as áreas e dimensões. Já Stanley lembra que a aceleração não resolve a necessidade de um treinamento especial por parte do professor ou professores para que se possa lidar eficazmente com o superdotado em sala de aula.
Apesar das opiniões em contrário, no entanto, investigações mais ou menos recentes tem mostrado os bons resultados da estratégia de aceleração, quando esta é aplicada com certo grau de bom-senso. Daurio cita diversas pesquisas as quais revelam que, quando os alunos são devidamente selecionados e a aceleração se dá por admissão precoce ou pela utilização dos "cursos de férias", não apenas os resultados em termos acadêmicos e cognitivos são bastante satisfatórios, como também o são o desenvolvimento emocional e social do estudante. De acordo com ele, a resistência de pais e educadores em relação a este tipo de programa fundamenta-se mais em noções pré-concebidas acerca de desajustes do que em fatos objetivos. Alencar aponta o exemplo norte-americano onde se permite que os alunos brilhantes do 2° grau cursem algumas disciplinas universitárias para as quais já estejam preparados, dispensando a necessidade de cursá-las posteriormente quando ingressarem na faculdade. Segundo ela, este sistema e os chamados "cursos de verão" tem apresentado excelentes resultados em termos de interesse, entusiasmo, aprendizagem e produtividade acadêmica.
Enriquecimento
Um programa enriquecimento escolar é uma estratégia pedagógica onde se oferece ao aluno capaz a oportunidade de ampliar e aumentar os seus conhecimentos por meio da participação de cursos extracurriculares, projetos especiais ou conteúdos curriculares específicos mais adiantados. A idéia parte do princípio que o aluno superdotado precisa de pouco tempo para desenvolver as atividades acadêmicas habituais para a sua idade e/ou série escolar, e que necessita de um complemento para estas atividades de modo a ocupar produtivamente o seu tempo ocioso. Também espera-se que o fato do aluno ter atividades intelectualmente estimulantes oferecidas pela escola contribua para que ele não sucumba ao tédio e, consequentemente, desperdice o seu tempo livre.
Renzulli aponta três diretrizes que considera essenciais para que um programa de enriquecimento venha a ter sucesso:

Diretrizes Fundamentais Para Um Bom Programa Segundo Renzulli (1977)


· Fornecer experiências exploratórias gerais que irão permitir identificar mais claramente quais são os interesses e habilidades do aluno;
· Promover atividades de aprendizagem em grupo que ajudarão o aluno a lidar de forma mais efetiva com o conteúdo didático;
· Levar os alunos a desenvolver, individualmente ou em grupo, projetos de pesquisa, com o intuito de investigar problemas reais.

A realização de tais metas, segundo ele, envolve a oportunidade do aluno conhecer os diferentes ramos do conhecimento e de escolher entre eles em função de suas habilidades e preferências, além de incentivar o preparo para saber enfrentar novas situações e problemas, e a adoção de um papel ativo do aluno na elaboração e solução dos problemas a serem resolvidos.
Gowan e Torrance (1971) alertam para certas dificuldades inerentes à aplicação de um programa de enriquecimento, afirmando que é pouco realista esperar que um professor de uma turma de tamanho médio, desprovido de treinamento especial e sem tempo extra, possa ter condições de desenvolver com sucesso um programa desse tipo, voltado somente para os seus alunos superdotados que estão misturados ao restante da turma. O mais provável é que ele ou ela, quando muito, exija que tal ou qual aluno responda mais exercícios ou que domine maior parte do conteúdo programático do que os demais; dando pouca ou nenhuma ênfase ao uso de novas abordagens ou metodologias para ensinar o pensamento crítico, a originalidade ou a flexibilidade de idéias.
Alencar (1986) informa que as dificuldades da aplicação de um programa de enriquecimento dentro da própria sala de aula leva a maioria dos programas especiais, especialmente nos EUA, a utilizarem o expediente de promover atividades extraclasse através de cursos ou clubes de matemática, música, ciências, computação, astronomia, literatura, filosofia, língua estrangeira, estatística, lógica, xadrez, pensamento criativo, produção de TV e ecologia.
Segregação
A segregação consiste em separar, temporária ou permanentemente, os estudantes superdotados dos demais alunos. O objetivo é criar turmas especiais homogêneas para as quais se possa dar um tratamento especial adequado sem prejuízo para os alunos normais.
Barbe (1965) defende a segregação argumentando que este é o melhor método pelo qual a escola pode levar a criança a se dedicar, com entusiasmo, a tarefas simultâneamente interessantes e desafiadoras. De acordo com ele, facilita também o trabalho dos professores, os quais poderão trabalhar com um grupo menor e mais homogêneo no qual é mais fácil desenvolver atividades de enriquecimento. No entanto, French (1964), avisa que segregar um grupo de alunos e rotulá-los de "superdotados" pode fazer com que desenvolvam uma atitude esnobe e presunçosa, sendo necessária uma boa orientação por parte de pais, professores e orientadores educacionais para que tal tipo de postura perniciosa não se instale.
McWililliams (1965) afirma que os superdotados variam muito quanto a sua esfera de talentos, o que torna sua completa segregação difícil ou mesmo impossível. Além disso, ele levanta o argumento de que os superdotados precisam, cedo ou tarde, aprender a conviverem com os indivíduos menos habilidosos, coisa que se adquire mais fácilmente num grupo heterogêneo.
Clark (1979) considera todos argumentos acima quando sugere alguns princípios básicos a serem respeitados na utilização do método da segregação para que haja um bom resultado.



Fonte: http://www.vademecum.com.br/sapiens/Educa.htm